Zona habitável: habitável para quem?

Creio que a primeira crítica contundente ao conceito de "zona habitável" que encontrei estava no livro What Does a Martian Look Like? The Science of Extraterrestrial Life, escrito em parceira pelo biólogo Jack Cohen e pelo matemático Ian Stweart.

O conceito de zona habitável é bem simples: a faixa em torno de uma estrela onde há energia suficiente para sustentar a existência de água em estado líquido. O espaço entre a estrela e o início dessa zona seria quente demais para a vida; o espaço além do término da zona, excessivamente frio.

Cohen e Stewart chamam a atenção para o fato de que essa definição é simplista demais. Mesmo aceitando a ideia de que água em estado líquido é fundamental para a vida, a intensidade da radiação estelar pode não ser o fator fundamental aí.

Um exemplo claro é o papel dióxido de carbono e de outros gases do efeito estufa: com uma atmosfera mais densa, Marte poderia ter oceanos; com uma atmosfera menos densa, Vênus poderia ter um clima ameno. Titã e Europa, luas de Saturno e Júpiter respectivamente, ficam totalmente fora da "zona habitável" do sistema solar, e ambas contêm líquido -- Titã sustenta lagos de hidrocarbonetos na superfície e Europa tem um oceano sob sua crosta externa de gelo.

Mesmo aqui na Terra há a suspeita de que algumas formas de vida poderiam ser independentes da luz solar. Em 2008, foi descoberta, nas profundezas de uma mina de ouro da África do Sul, a bactéria  Desulforudis audaxviator, que vive da energia liberada pela desintegração de átomos radioativos nas rochas ao redor. Ela não só não precisa do Sol, como poderia continuar a existir mesmo se toda a vida na Terra se extinguisse.

Mais recentemente, cientistas sugeriram que "planetas errantes" -- astros expulsos de seus sistemas solares por interação gravitacional -- poderiam abrigar vida. Esses mundos seriam capazes de sustentar oceanos graças ao calor de seus núcleos.

E mesmo a exigência de planetas pode ser provinciana. Em seu romance The Black Cloud, Fred Hoyle apresenta uma forma de vida inteligente que não só não evoluiu numa superfície planetária, como ainda acreditava que a gravidade intensa dos planetas deveria tornar a vida impossível.

(Uma questão paralela é se a vida poderia surgir sem o "input" de energia de uma estrela: a audaxviator possivelmente descende de bactérias que usavam luz do Sol de alguma forma, mas acabou adaptando-se às novas condições.)


Os cientistas que buscam planetas extrassolares e sinais de vida extraterrestre certamente sabem disso tudo. Então, por que insistem em falar em termos de "zona habitável"? Basicamente, trata-se de um conceito útil em tempos de recursos limitados: como não é possível sair por aí procurando vida em todos os planetas do Universo, concentrar a busca, ao menos inicialmente, nos que têm condições mais favoráveis é sábio. 

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