Que tal cobrar pela sacola plástica?

Moro em Jundiaí (SP), cidade que se arroga a posição de primeira no país (ou no Estado?) a abolir a distribuição de sacolas plásticas em supermercados. Vocês, meus leitoras mais cosmopolitas, não imaginam como foi duro aguentar o chapabranquismo da mídia local -- "Capital paulista se curva à política sustentável de Jundiaí", etc. -- quando a tal da lei das sacolinhas foi aprovada e finalmente entrou em vigor em São Paulo.

Acho que ninguém nega que as sacolinhas plásticas comuns são um pepino ambiental. São feitas de petróleo, duram para sempre, entopem bueiros, poluem rios, vão para o mar e acabam indo boiar na Grande Mancha de Lixo do Pacífico, onde eventualmente acabam asfixiando até a morte algumas pobres tartarugas marinhas de espécies ameaçadas de extinção (mais detalhes no livro World Without Us).

(Ou talvez não: um blog em defesa das sacolas cita um artigo curioso a respeito no Times de Londres.)

Do ponto de vista amplo e abstrato, portanto, abolir as sacolinhas não é uma má ideia. Mas, até aí, abolir os automóveis particulares também não seria, mas o fato é que não vivemos num mundo amplo e abstrato, mas particular e concreto. E, nesse mundo, a questão das sacolinhas esbarra em dois obstáculos: 1. o costume da população e 2. a viabilidade das alternativas.

A questão do costume é especialmente penosa de tratar. Não é muito difícil encarar os participantes de campanhas do tipo "quero minha sacolinha plástica" com a mesma mistura de exasperação e desprezo com que foram vistas as pessoas que entraram na Justiça contra o rodízio de automóveis na capital paulista em nome do "direito de ir e vir", ou os donos de restaurante que, ameaçados com a proibição do consumo de tabaco em seus estabelecimentos, de repente se converteram em campeões dos princípios da livre iniciativa e da liberdade individual.

(A mim, essa gente sempre soa como passageiros da primeira classe do Titanic, reclamando da falta de champanhe nos botes salva-vidas, ao mesmo tempo em que empurram mulheres grávidas para a água a fim de fazer espaço para mais um colega de fraque. Eu até acho que a batalha do apocalipse será travada pelos defensores da autonomia individual lutando contra a ingerência totalitária de igrejas e Estados, mas, como dizem os gringos, enough is enough.)

Bem: acontece que o costume existe, e geralmente é mais fácil mudar um regime político do que um hábito cotidiano arraigado.

Sobre o segundo ponto, o das sacolas supostamente biodegradáveis, existe um bom índice da discussão nesta postagem do blog Discutindo Ecologia. Resumindo: há fortíssimas suspeitas de que a emenda acaba sendo pior que o soneto.

Mas, se o fim das sacolinhas é desejável e as sacolas biodegradáveis são suspeitas, a solução óbvia parece ser convencer as pessoas a usar sacolas reaproveitáveis em suas compras -- sacolas de ráfia, de lona, como as velhas sacolas de feira, por exemplo, além de mochilas, bolsas, malas e até sacolas plásticas mais grossas e resistentes.

Essa parte de "convencer as pessoas" é mais complicada, já que voltamos à questão da mudança de hábitos e costumes. Mas que tal tentar pelo bolso?

Falando sobre minha experiência de consumidor jundiaense, confesso que sempre me espantava, antes da proibição, com a prodigalidade da distribuição das velhas sacolinhas gratuitas: não era raro um empacotador (quando empacotadores havia) colocar apenas um ou dois produtos por sacola, quando, pelo tamanho e resistência, cada uma delas poderia comportar quatro ou cinco (ou cinco ou seis). A superabundância gerava gratuidade, que gerava desprezo, que gerava desperdício. E daí para os bueiros, os mares e (talvez) as tartarugas...

Então, talvez o problema real não esteja nas sacolas, ou no material de que são feitas, mas no fato de serem gratuitas. E se, em vez de receber sacolas plásticas gratuitamente, as pessoas tivessem de comprar "créditos de sacola", mais ou menos como a indústria europeia compra "créditos de carbono"?

Isso passou a acontecer, de certa forma, com a cobrança pelas sacolas ditas biodegradáveis!

É bem provável que o verdadeiro impacto ambiental positivo (se houver) das medidas de coibição das sacolinhas depende mais do fato de elas terem um preço do que de qualquer outra dessas coisas que tanto se andam discutindo a respeito, por exemplo, se o ciclo de produção do plástico é menos poluente que o do papel, ou se a sacola biodegradável é mesmo biodegradável.

Se isso for verdade, no entanto, a sacola biodegradável vira uma espécie de fetiche (ou fraude), sem efeito prático para além do de mudar a economia das sacolinhas em geral. O que não deixará de ser curioso.

Comentários

  1. Putz, Orsi, o ponto é perfeito mas esbarra em uma situação que não está muito clara: as sacolinhas não são de graça. Os supermercados embutem nos preços dos produtos o custo de produção delas.
    A encrenca toda, concordo, é a mudança de hábito da população, mas também tem uma boa dose de malandrismo dos supermercados, uma vez que eles não reduziram esses centavos do preço. Ou seja, cobram pela sacolinha mas não mais precisam pagar por elas. É outra explicação do súbito interesse dos supermercados por essa medida porque, de centavo em centavo...

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  2. +1 pro comentario anterior, do João Costa.

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  3. Concordo com o João Costa, mas os defensores do mercado livre argumentarão que com o tempo, a concorrência entre os supermercados fará com que retirem do preço das mercadorias o "a mais" das sacolinhas.

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  4. Uma reportagem interessante sobre o súbito interesse dos mercados em demonizar as sacolas plásticas: http://www.campinas.com.br/blog/supermercados-de-sp-vao-economizar-r-190-milhoes-ano-com-fim-das-sacolinhas-gratuitas

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  5. Este é o assunto mais "palhaçada" que já ouvi nos últimos anos.
    Alguém já parou para calcular quantas sacolas podemos fazer de um saco de lixo? Se eu jogar 10 sacolas plásticas em um metro de área e um saco de lixo em outra, visualmente, a área com as sacolas parecerá bem mais "poluída".
    Além disso, os EUA possuem a patente da tal sacola de plastico biodegradável feita de amido de milho, que, vejam só, eles são os maiores produtores (+ou- o dobro do Brasil).
    (Ignoramos, aqui, que a tal sacola pode ser reciclada).
    Eta povão (manipulável)!!!

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  6. Pois é, Carlos, acho que a saída é a educação - frase repetida ad-nauseum na imprensa, mas extremamente verdadeira.

    Como bom chato que sou (e casado com outra chata), eu acomodo na micro área de serviço do meu apê todo o lixo reciclável em sacolas dos mais diversos tipos, a maioria de papelão dessas de lojas de roupas. Quando vou ao mercado perto de casa, levo as sacolas, despejo na estação de reciclagem e as utilizo para trazer as compras para casa. E ainda ganho 5 pontos no programa de vantagens! Me dá trabalho? Sim, mas eu faço. E faço porque eu entendi que é necessário. E para ganhar os pontinhos também, hehe.

    Não contentes, o casal de chatos ainda doutrinou a faxineira, que não tem onde cair morta, mas recicla direitinho!

    Também aprendi na vida que a melhor forma de educar alguém (que não tenha aprendido sozinho) é com castigos corporais no órgão mais importante do ser humano: o bolso!

    Ou seja, de tudo isso, concordo plenamente que o que vai funcionar é cobrar pelas sacolas. O resto é conversa mole.

    Abraços,

    João

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