Doutor Estranho
Meu herói favorito da Marvel sempre foi o Doutor Estranho. Se não por outro motivo, o Mestre das Artes Místicas é um cara que tem uma imensa biblioteca, que tira seus poderes, em última instância, de livros e que valoriza o conhecimento acima de tudo, como se vê no quadrinho abaixo, desenhado por Barry Smith (roteiro de Stan Lee) -- e que vem, aliás, da primeira história do Dr. Estranho que li, publicada no Brasil pera Editora Abril quando a maioria dos leitores desta postagem ainda não tinha nascido:
Mas o filme bebe mais fundo do que isso na longa carreira do personagem, publicado pela primeira vez em 1963. Uma das peças-chave do filme, O Livro de Cagliostro, pertence à fase em que Estranho esteve a cargo da dupla criativa Steve Englehart/Frank Brunner, do início dos anos 70.
Cagliostro é parte da "Gênese de Sise-Neg", história em que ficamos sabendo que o "Deus" que aparece no Livro do Gênese da Bíblia é, na verdade, um mago louco vindo do futuro. Essa foi uma história polêmica, para dizer o mínimo. Reza a lenda que Stan Lee exigiu que Englehart incluísse uma errata na edição seguinte da revista, mas os autores teriam forjado uma carta de um ministro religioso elogiando a história, e a errata nunca saiu."Sise-Neg" foi publicada no Brasil, mas a equipe de tradução da Abril tomou a atitude preventiva de mutilar o texto para eliminar a heresia.
Englehart/Brunner voltaram a mexer na onça da religião com vara curta em outra história, a do vilão Adaga de Prata, um cristão fundamentalista dedicado a caçar bruxos e adoradores do diabo. Mais uma vez, a edição brasileira suavizou bastante o texto. Esta história foi, para mim, especialmente memorável porque foi nela que, pela primeira vez, vi o nome "Necronomicon":
No universo cinematográfico, o personagem Mordo parece destinado a assumir um papel próximo ao que o Adaga de Prata desempenhou nos quadrinhos, mas desvinculado das raízes cristãs. Imagino que, entre deuses nórdicos e magos, a Marvel Studios não queira oferecer nenhuma provocação direta ao lobby fundamentalista.
A morte do Ancião, outro ponto importante do filme (onde ele é a Anciã), também acontece nessa fase, quando Strange enfrenta a criatura lovecraftiana Shuma-Gorath. E, assim como no filme, revela-se uma conexão insuspeita entre o mentor do Mestre das Artes Místicas e o monstro extradimensional.
Já o confronto de Stephen Strange com Dormammu, culminando no juramento do demônio de que jamais tentaria anexar a Terra novamente, é pura vintage Lee-Ditko:
Ao longo das décadas, o Dr. Estranho revelou-se um personagem versátil, desempenhando papéis que vão do de viajante psicodélico por realidades alternativas ao de caçador de vampiros (na fase, que não me pareceu contemplada -- ainda -- no cinema, em que as histórias eram escritas por Roger Stern) detetive sobrenatural e até, por um período felizmente bem curto, super-herói em linhas mais tradicionais:
Espero que a série cinematográfica do personagem se desdobre de modo a explorar a maior parte dessas potencialidades. A versão detetive sobrenatural -- em que Strange é chamado a resolver mistérios que afetam a vida de pessoas comuns -- tem um potencial intrigante e marca um bom contraponto às ameaças cósmicas.
Alguém poderia imaginar que o fato de Stephen Strange ser um médico que abandonou a ciência para se dedicar ao esoterismo e à magia acabaria me fazendo sentir alguma antipatia por ele, mas esse não é o caso: o fato é que no Universo Marvel a magia e o esoterismo funcionam, o que faz da escolha de carreira do Dr. Estranho algo perfeitamente aceitável e racional. Como se diz por aí, medicina alternativa que funciona não é alternativa, é medicina.
Gostei bastante do filme recente com Benedict Cumberbatch ("spoilers" adiante, considere-se avisado).
A maior parte das resenhas que li e que tentaram vincular a película às HQs cita o visual extradimensional criado por Steve Ditko, nos anos 60, para o universo de Strange e o roteiro da graphic novel "The Oath" ("O Juramento"), uma obra relativamente recente, em que a forma astral de Strange tenta orientar uma médica que, por sua vez, tenta salvar a vida do mago:
Cagliostro é parte da "Gênese de Sise-Neg", história em que ficamos sabendo que o "Deus" que aparece no Livro do Gênese da Bíblia é, na verdade, um mago louco vindo do futuro. Essa foi uma história polêmica, para dizer o mínimo. Reza a lenda que Stan Lee exigiu que Englehart incluísse uma errata na edição seguinte da revista, mas os autores teriam forjado uma carta de um ministro religioso elogiando a história, e a errata nunca saiu."Sise-Neg" foi publicada no Brasil, mas a equipe de tradução da Abril tomou a atitude preventiva de mutilar o texto para eliminar a heresia.
Englehart/Brunner voltaram a mexer na onça da religião com vara curta em outra história, a do vilão Adaga de Prata, um cristão fundamentalista dedicado a caçar bruxos e adoradores do diabo. Mais uma vez, a edição brasileira suavizou bastante o texto. Esta história foi, para mim, especialmente memorável porque foi nela que, pela primeira vez, vi o nome "Necronomicon":
No universo cinematográfico, o personagem Mordo parece destinado a assumir um papel próximo ao que o Adaga de Prata desempenhou nos quadrinhos, mas desvinculado das raízes cristãs. Imagino que, entre deuses nórdicos e magos, a Marvel Studios não queira oferecer nenhuma provocação direta ao lobby fundamentalista.
A morte do Ancião, outro ponto importante do filme (onde ele é a Anciã), também acontece nessa fase, quando Strange enfrenta a criatura lovecraftiana Shuma-Gorath. E, assim como no filme, revela-se uma conexão insuspeita entre o mentor do Mestre das Artes Místicas e o monstro extradimensional.
Já o confronto de Stephen Strange com Dormammu, culminando no juramento do demônio de que jamais tentaria anexar a Terra novamente, é pura vintage Lee-Ditko:
Ao longo das décadas, o Dr. Estranho revelou-se um personagem versátil, desempenhando papéis que vão do de viajante psicodélico por realidades alternativas ao de caçador de vampiros (na fase, que não me pareceu contemplada -- ainda -- no cinema, em que as histórias eram escritas por Roger Stern) detetive sobrenatural e até, por um período felizmente bem curto, super-herói em linhas mais tradicionais:
Espero que a série cinematográfica do personagem se desdobre de modo a explorar a maior parte dessas potencialidades. A versão detetive sobrenatural -- em que Strange é chamado a resolver mistérios que afetam a vida de pessoas comuns -- tem um potencial intrigante e marca um bom contraponto às ameaças cósmicas.
Postagem excelente! Havia algumas facetas do personagem nos quadrinhos que eu não conhecia.
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