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Mostrando postagens de 2018

Tem alguém aí?

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A pergunta é séria. Gente, faz um mês que não atualizo o blog! Mas foi por um bom motivo: estava trabalhando, com amigos, para o lançamento do Instituto Questão de Ciência -- a foto acima é uma das cenas do evento. A partir de agora provavelmente será muito mais fácil encontrar material meu na revista do instituto -- pela qual, aliás, sou responsável -- do que neste espaço. Convido a todos a conhecer o projeto, ler os textos, etc. Sou suspeitíssimo para dizer, claro, mas há muita coisa boa lá. Além dos textos de minha autoria, há uma densa reportagem de Ruth Helena Bellinghini sobre falsas curas do câncer que levanta uma questão espinhosa e fundamental: o paciente desesperado pode até ter o direito de tentar tudo, mas o que dá a alguém o direito de oferecer ilusões aos desesperados? Também colaboram os biólogos Beny Spira ,  Natalia Pasternak e Luiz Gustavo de Almeida , o físico Marcelo Yamashita , o paleontólogo Pirula e, em participação mais que especial, o médico Ed

Instituto Questão de Ciência

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Agora que o gato proverbial está proverbialmente fora do proverbial saco, posso contar aqui no blog -- e para os amigos que só me ouviam dizer, de modo um tanto quanto misterioso, que eu estava "enrolado com uns projetos" -- que na segunda quinzena de novembro acontece o lançamento oficial do Instituto Questão de Ciência, em cuja organização estou envolvido, sobre o qual há um press-release publicado no Facebook, onde também se encontra o convite para a abertura oficial . Mas você está agora no meu blog, não no Facebook, então provavelmente gostaria de ler algo sobre minha perspectiva pessoal a respeito do que está acontecendo. Vamos lá, então. Comecei a trabalhar com jornalismo para internet em 1996. Falei sobre isso na minha palestra TEDx do ano passado, mas acho que jamais serei capaz de expressar direito meu estado de absoluta estupefação com o universo online quando o encontrei pela primeira vez como jornalista -- jornalista encarregado de entender, organizar e

Livro interativo!

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Tanta coisa acontecendo na vida do jornalista de meia-idade que a gente esquece de anunciar as boas notícias. Então, com algum atraso, aí vai: já está disponível, para Apple e Android, O Mistério do Sr. Gratus , um conto interativo de ficção científica de mina autoria e magistralmente ilustrado, animado e sonorizado pela StoryMax . O objetivo desse livro virtual é divertir crianças e jovens -- eu chutaria aí de uns 9 aos 13 anos -- , ao mesmo tempo, passar alguns conceitos sobre ecologia, evolução e saúde. A revisão técnica do trabalho foi feita pela pesquisadora Natalia Pasternak Taschner, da USP, que dirige no Brasil o festival Pint of Science. Este trabalho mult imídia acaba sendo meu primeiro conto original publicado em português nos últimos anos, e minha segunda incursão no universo infanto-juvenil, depois do romance space-opera Nômade , que saiu lá em 2010. Escrever "juvenis" sempre me assusta um pouco. Uma coisa que me esforço conscientemente em fazer é evita

Falta rigor nas Humanidades... só nelas?

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Se você se interessa por ciência, o assunto provavelmente chamou sua atenção: ontem, um grupo de três pesquisadores dos Estados Unidos revelou ter feito publicar, em periódicos respeitados da área de Humanidades,  sete artigos totalmente idiotas -- incluindo um trecho de um manifesto nazista (nada menos que do livro Mein Kampf, de Adolf Hitler!) com a linguagem alterada para soar feminista. Um dos artigos, sobre o caráter machista e homofóbico do coito entre cães em praças públicas (sim, você leu certo) chegou a ganhar um prêmio acadêmico. Ao todo, os autores da fraude (que eles descrevem como um experimento etnográfico) produziram vinte artigos cretinos, sete dos quais foram aceitos para publicação, seis rejeitados e sete devolvidos para correções e revisões. Entre os devolvidos, há um que defende a inclusão da astrologia como ciência legítima, num novo paradigma "feminista" de pesquisa astronômica. As reações à pegadinha foram variadas, como mostra, por exemplo,

Uma verdade milenar sobre astrologia

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Existem algumas verdades milenares que se perdem na poeira do tempo, e precisam ser redescobertas a cada geração. Uma das mais preciosas é a de que astrologia é bobagem. Defensores da prática adoram dizer que têm uma tradição imemorial que só passou a ser atacada por causa do materialismo reducionista do mundo moderno. Nada mais falso: em todas as eras, diversas das mentes mais argutas se pronunciaram contra o patente absurdo da hipótese astrológica -- de que a posição dos astros na hora do nascimento determina, ou influencia, a personalidade e o destino dos seres humanos. O que o "materialismo reducionista" dos tempos modernos fez foi produzir instrumentos para mensurar o tamanho do absurdo. Em 50 AEC, mesma época em que os irredutíveis gauleses da aldeia fictícia de Asterix se insurgiam contra os romanos, o orador romano Cícero produziu o discurso Sobre a Adivinhação ( De Divinatione ), onde argumenta longamente contra a astrologia. Um trecho: "O fato de qu

Ceticismo, pensamento crítico e "tone trolls"

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Encontrei a expressão "tone troll" (literalmente, "troll de tom"), pela primeira vez, há quase dez anos, em meio às reações da comunidade cética/racionalista internacional à palestra Don't Be a Dick ("Não Seja Babaca"), do astrônomo e divulgador de ciência americano Phil Plait. Plait, que em seu site Bad Astronomy analisa à exaustão bobagens como as teorias da conspiração em torno do Projeto Apollo, sugeria na palestra que divulgadores de ciência, principalmente nas trincheiras do movimento cético/laicista, evitassem tratar os oponentes como idiotas. As pessoas raramente mudam  de ideia quando são xingadas, ponderava ele. Plait foi rapidamente acusado de ser um "tone troll". Definição: alguém que, embora concorde com a substância do que você diz, se dá ao trabalho de vir a público criticá-lo pela forma como você diz . "Astrologia não faz sentido, homeopatia é uma bobagem, certo, concordo, mas por que você não respeita os sentim

Uma modesta proposta: astrologia no SUS

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Passando os olhos pela ampla relação de Práticas Alternativas e Complementares (PICs) abraçadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e incluídas no II Workshop de PICs a ser realizado Centro de Práticas Esportivas da USP, o popular Cepê, deparei-me com uma curiosa omissão: a astrologia. Como um sistema integrativo que contempla ayurveda, homeopatia, medicina tradicional chinesa, antroposofia e acupuntura ignora uma das mais venerandas tradições curativas do Ocidente? Para quem se escandaliza com a sugestão, afirmo que não existe nada -- absolutamente nada -- que se possa dizer a favor das PICs atualmente em uso que também não se possa afirmar, e com vantagem, sobre a arte da interpretação de cartas astrais e elaboração de horóscopos. Eu sei, até porque escrevi um livro sobre o assunto . Senão, vejamos: Tradição milenar : praticamente todas as PICs são bebês recém-nascidos se comparadas à astrologia, que remonta à antiga civilização mesopotâmica. Essas foram os caras que inventar

Epistemologias "alternativas" e saúde

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A recente publicação, em O Estado de S. Paulo , de um artigo apontando a incoerência da introdução de práticas ditas "alternativas" -- isto é, carentes de base científica -- no Sistema Único de Saúde (SUS) provocou uma previsível maré de objeções, a maioria das quais, quando analisadas, acaba se enquadrando em um de três campos: "ei, mas nós temos base científica"; "terapias com base científica também não são isso tudo";  " base científica é um critério ruim, porque se fecha a epistemologias alternativas". Da primeira objeção já tratei algumas vezes (por exemplo, aqui  e aqui ), então vou deixá-la de lado, desta vez. Da segunda, diga-se que confunde critério necessário com suficiente . Não é porque nem todo mundo que tem duas pernas consegue correr os 100 metros em menos de dez segundos que ter duas pernas deixa de ser uma vantagem considerável para quem se dispõe disputar os 100 metros rasos. Do mesmo modo, não é porque nem toda ter

O algoritmo na cabeça das pessoas

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O Brasil é um dos cinco países que mais usa WhatsApp , e linchamentos motivados pela internet não são novidade por aqui, mas a imprensa nacional meio que vem ignorando a grande polêmica que cerca o aplicativo no mundo de língua inglesa -- a saber, a onda de linchamentos, na Índia, estimulada por boatos divulgados nessa rede. Jornais britânicos ( aqui , aqui e aqui ) e americanos ( aqui ) vêm cobrindo o assunto com atenção. E por um bom motivo: a tragédia indiana abre um novo capítulo no debate sobre "fake news", seus impactos e modos de ação. Muitas das notícias publicadas falam de apelos das autoridades para que a rede, de alguma forma, coíba a circulação de boatos. Isso me parece fazer tanto sentido quanto pedir para as fábricas de motocicleta que façam algo para coibir o uso desses veículos em assaltos na saída de caixas eletrônicos, ou que as operadoras de telefonia façam algo para combater os trotes. Afinal, diferente do Facebook, que aplica uma série de filtro

Notícias falsas: mais complicado do que parece

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Uma capacidade fantástica do ser humano é de pegar o que poderia ser um debate rico, complexo e produtivo e imediatamente reduzi-lo a meia-dúzia de clichês rasteiros. A questão das notícias falsas/fake news, por exemplo, que poderia ter dado margem a uma discussão séria sobre meios de comunicação, uso de fontes e credibilidade, virou basicamente uma estratégia de marketing da mídia corporativa -- "confie em nós", dizem os jornalões, as grandes redes de TV e rádio em suas campanhas de conscientização sobre fake news -- "e tudo vai ficar bem". Mas aí a gente se lembra de que o Estadão engoliu a lorota do Jogo da Baleia Azul com isca, anzol e linha; que a Folha de S. Paulo endossou teorias de conspiração malucas sobre o 11 de setembro; que a CBN fez um programa cantando os loas da "medicina" ayurvédica ; que a febre nacional da fosfoetanolamina começou com uma reportagem de afiliada da Globo,  e é compreensível que fiquemos desconfiados e desconsolad

Fé, longevidade, burrificação

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Semana retrasada tive uma pequena maratona de eventos acadêmicos sobre divulgação científica -- aparentemente, hoje em dia não é de bom-tom, no meio universitário, realizar um seminário, sobre o que quer que seja, sem incluir pelo menos uma mesa redonda tratando do tema, o que parece indicar uma certa angústia, que precisa ser melhor explorada (e explicada). Mas, enfim: em quase todos os eventos do tipo, costuma recorrer uma questão que assume diversas formas, mas que pode ser exemplificada pelo trocadilho "como simplificar sem burrificar"? Claro, muitas vezes a pergunta embute um quê de arrogância -- o subtexto sendo, "esse negócio que eu estudo é complicado demais, a plebe ignara nunca vai entender" -- mas há inúmeras situações em que a preocupação é legítima e real, principalmente quando a informação vai passar por um filtro midiático: isto é, vai ser reinterpretada  e "re-embalada" com base nos critérios usuais de novidade, alcance, capacidade de

As ondas da ficção científica nacional

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Entre 1989 e 2013, mais ou menos, escrevi muita ficção científica: às vezes, chegava a produzir um conto por mês. Como, de acordo com as leis da probabilidade, quem  atira muito na direção do alvo tende a acabar acertando de vez em quando, parte desse material prestou um pouco -- o suficiente para que eu ganhasse dois Prêmios Argos e, agora, tivesse um conto incluído no livro Fractais Tropicais -- Os Melhor da Ficção Científica Brasileira , organizado por Nelson de Oliveira, e que deve ser lançado no próximo semestre pela SESI Editora (estudei da 1ª à 8ª série num SESI, a propósito; fico imaginando que minhas professoras de então achariam disso). O escopo de Fractais Tropicais é, para dizer o mínimo, ambicioso: cobre 30 autores e um período de cerca de 70 anos, de Jerônymo Monteiro (o primeiro escritor brasileiro a se dedicar seriamente à produção de ficção científica, ativo a partir do final da década de 30 do século passado) a Cristina Lasaitis, jovem autora que estreou já nes

Mundo e Copa em banho-maria

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Os mesmos jornais que, no início da semana, noticiavam que a população brasileira estava cagando e andando para a Copa do Mundo da Rússia, hoje não falam de outra coisa -- a ponto de não ter sobrado espaço, nas capas da Folha e do Estado , para a verdadeira notícia mais importante da semana: a aceleração do degelo antártico e sua dramática contribuição para a elevação do nível dos mares. O efeito acumulado nas últimas décadas aparece no gráfico abaixo, publicado pela revista Nature , periódico que nesta semana traz uma série de artigos sobre o estado da Antártida: O Brasil, especialmente a costa brasileira, é bastante sensível ao que acontece na Antártida Ocidental (a parte esquerda do mapa acima). A ponta de terra mais proeminente ali, a Península Antártica, quase encosta na América do Sul, e era por ali que ficava a base brasileira Comandante Ferraz. A Folha de São Paulo , que publicou recentemente boas reportagens sobre o impacto do aumento do nível do mar no litoral paul

Aniversário da Ciência?

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Dizem que Isaac Asimov certa vez disse (não consegui confirmar isso nas fontes primárias) que o dia 28 de maio deveria ser celebrado como o Aniversário da Ciência. Isso porque, segundo algumas fontes do mundo antigo (Heródoto é o mais citado, mas também há Diógenes Laércio e outros), este dia marca a dramática confirmação da primeira "previsão científica"  registrada na história: a de um eclipse solar, ocorrido em 28 de maio de 585 AEC e que teria sido previsto por Tales de Mileto. Tales (624-546 AEC) é muitas vezes citado como o "primeiro cientista", por ter proposto explicações para fenômenos naturais sem apelar para a linguagem da religião e do mito -- usando apenas a natureza para falar da natureza. Há, no entanto, diversas razões para duvidar de que a previsão do eclipse por Tales tenha mesmo ocorrido -- e, se ocorreu, que tenha sido realmente baseada em algo semelhante a princípios científicos, e não pura sorte. Se sorte foi mesmo o caso, Tales, além de

Cuba cura câncer?

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O pior tipo de fake news não é a que mente de modo descarado, mas a que usa um base verdadeira como pedra angular para um castelo de falsidades. A mentira pura e simples pode ser pura e simplesmente negada; o edifício fajuto erguido sobre a base verdadeira requer cuidado especial, já que qualquer tentativa de demoli-lo às pressas torna a pessoa que tenta produzir o esclarecimento vulnerável à acusação de estar negando uma verdade -- aquela, pequenininha, ali no alicerce. Caso em tela: um amigo me envia, pelo Facebook, link para um texto online que afirma que Cuba tem uma vacina milagrosa que cura câncer de pulmão, que já beneficiou milhares de pessoas, mas que a maligna indústria farmacêutica capitalista não quer que você saiba disso . É o típico caso de alegação que aperta todos os botões emocionais certos: para o ideólogo de direita é, obviamente , uma mentira comunista; para o de esquerda, é, obviamente , uma prova da cupidez capitalista, da ineficiência do mercado, um claro

Jornada dupla no Pint of Science!

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Neste ano, participei duas vezes do festival Pint of Science , em Campinas e São Paulo, falando no interior sobre fake news e, na capital, sobre fale news e jornalismo de saúde (esta última participação apareceu de última hora). Esses eventos ao vivo sempre me deixam com a impressão de que fui menos claro e coerente do que deveria, em parte porque certamente me comunico melhor por escrito, em parte porque provavelmente sou mesmo meio incoerente e obscuro, ainda mais com três chopes na cabeça. Então, para quem assistiu e talvez tenha ficado curioso, já discorri mais longamente (e, espero, com maior propriedade e coerência) sobre os assuntos de que falei no Pint nestes textos, sobre notícias falsas ( aqui e aqui  e neste vídeo ) e cobertura de saúde ( aqui , aqui e, de modo indireto, aqui ). Felizmente, minhas duas participações no festival não foram solo, e os colegas Angela Pimenta (em Campinas) e  Ruth Helena Bellinghini, Álvaro Pereira Júnior e Lúcia Helena de Oliveira (

Faz sentido noticiar pesquisa pré-clínica?

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Há mais ou menos um mês, assisti em São Paulo a uma apresentação do pesquisador Samuel Cohen, do Centro Médico da Universidade de Nebraska, sobre a crise de reprodutibilidade nas ciências. O que isso quer dizer? A ideia é que, se a ciência se pretende produtora de conhecimento com validade universal -- e, por isso, tem em seus métodos uma forma de acesso ao conhecimento superior às alternativas (revelação divina, interpretação de sonhos, tradição familiar, etc) -- então seus resultados têm de ser reprodutíveis : a mesma equação que descreve a trajetória de uma maçã jogada para o alto aqui deve descrever a trajetória de uma maçã jogada para o alto na China. As leis da termodinâmica que regem o motor do meu carro (se eu tivesse um carro) regem o motor do jipe lunar.  E assim por diante. Falei em motores. Além de seu papel epistemológico, a reprodutibilidade é, no fim, a grande fiadora da tecnologia. Se os resultados da física quântica, por mais malucos que sejam, não fossem repro